9 de julho de 2009

O Acordar da cidade


Há uma magia nas cidades...mais intensa à hora do lobo, a hora em que os sonhos são mais reais.

O despertar das pessoas....os passeios vazios que em breve se encherão de gente apressada.

O homem que desembrulha os matutinos, o cheiro da fruta fresca a chegar ao mercado. As cores condensadas nos espelhos de água reflectindo sem tremuras os contornos fidedignos dos edifícios que ficam simétricos, duplicados na lisura que refulge mais densa do que nunca.

Há o ruído metálico do homem que corre a persiana do estabelecimento e se prepara para mais um dia de negócio.

O transeunte que passa rápido sem nos deixar aperceber se vem atrasado ou se vai cedo. As olheiras de quem termina o turno, de quem velou por nós na noite do tempo que termina e se renova.

Percorro os caminhos dos ladrões e das amantes repleto do cheiro das sarjetas e das sardinheiras nas janelas e sinto a brisa que refresca o dia que começa como promessa de infinito...e o cheiro a café vindo de algures.

Há fragrâncias que os sítios têm....o diesel quente, queimado, do autocarro que desejo se afaste rápido, para beber o perfume das cores que a florista expõe do outro lado da rua, enternecido pelas lágrimas de orvalho em cada pétala.

Ao fundo ouço o jacto de água dos homens que limpam as ruas, que lavam as dores de quem ainda há pouco, ali, amou, viveu e morreu.

Há papeis do Teatro no chão, há sonho no ar...a testa franzida da vendedora que subitamente olha para nascente, rosto talhado no mármore da vida não lhe perdoou nem as agruras nem os sonhos desiludidos...exposta aos infravermelhos do sangue e da neve do tempo que lhe branqueou os cabelos.

O miúdo da rua, embrulhado sobre si mesmo, tem seis anos, que são sessenta, na caixa de sapatos que abre para engraxar o pão do dia a dia.

O ocre meio-iluminado dos Ministérios a dizer que hoje não haverá Abril, mas apenas o pão-nosso de cada dia.

O som frenético do bater de asas dos pombos ali tão perto entrecruza-se com o longínquo grito estridente de uma sirene de ambulância. Ali perto, o carrilhão de duma igreja faz-se ouvir neste momento único do dia, em que os distintos sons, são perceptíveis.

A madrugada da vida, no Outono das ideias, evoca os amores do passado, o Aleluia dos coros do que podía ter sido...e quase fui.

O apito do barco avisa-me da invasão eminente de sono e fé, num exército de mortos vivos que espera o sinal verde, em tácita benevolência.

E quero estar ali, sentir tudo, viver tudo, porque é esta a cidade que amo, vetusta e matutina na aurora de mais uma das nossas comuns ilusões.


Céu

08/07/2009


Um comentário:

Anônimo disse...

adorei seu espaço. muito bom, gosto dessa atmosfera intimista parabens!!!!! desculpa a invasao.


abraços


leandro cardoso.